Você não deve estar me reconhecendo, mas é porque eu ando meio sumida mesmo, meio fora de moda. Hoje, com a proliferação das redes sociais, eu venho caindo em desuso. E temo que meu fim seja igual ao do trema, coitado que esteve por cima durante tanto tempo, mesmo após uma vida inteira de gente sem saber direito se ele era homem ou mulher. (Era macho, eu posso dizer.)
Um pouco por influência da língua inglesa, poucos hoje se lembram de mim. Deve ser por isso que os americanos me chamam de "comma". Todo mundo hoje só quer saber da exclamação, aquela exibida, que deu para aparecer em bandos agora, sem a menor necessidade, desobedecendo as regras, sempre aproveitando a deixa do fim de alguma frase supostamente de efeito.
Prima do ponto-e-vírgula, outro incompreendido, sofro bullying na escola até hoje, sendo chamada muitas vezes de "ponto com rabo". Nunca me incomodei de ser usada. Só nunca gostei de injustiça.
Já tive meus dias de glória, quando era convidada mesmo para festas às quais não deveria comparecer. Não espalhe, mas eu já vi propaganda de jornal grande por aí dizendo que "quem lê, sabe". Ora, quem lê mesmo sabe que eu nunca quis separar um sujeito de um verbo. Mas essa é outra discussão.
O que me traz aqui, além do teclado de um notebook velho, é a indignação quanto aos que tentam impor o fim da minha carreira à força. Cansada de ler outros me mencionarem indiscriminadamente, resolvi me manifestar, antes de ter que escrever uma carta de despedida desta gramática.
Tenho visto, com frequência cada vez mais constrangedora, em e-mails, a construção "Oi Fulano", que, se não for propaganda de um novo plano de operadora de telefonia, faz parecer que eu simplesmente morri para muita gente boa. Não aguento (ai, o trema...) mais esse desprezo.
Todos sabem que vocativos, como "Fulano", e interjeições de apelo, como "oi", não se dão bem juntos, precisam de mim, para deixar cada um de um lado. Eu não sou ponto, nem pausa dramática. Fosse assim, (olha eu aí de novo) as pessoas desejariam "feliz, Natal".
"Pausa para respirar" é o cacete! Só o travessão sabe quantos processos eu já tentei contra as professoras das classes de alfabetização, que sempre me difamaram dessa forma. (Desculpe ficar me intrometendo a quase cada palavra desse texto, mas sou eu que estou escrevendo, então, acho que posso ser mais autoral, e me exibir um pouco.)
Bons tempos em que eu tinha lugar de destaque no noticiário, para qualquer que fosse o assunto. A minha interferência era sempre desejada. Chegavam a dizer que eu morava em saleiros nas redações de jornais, e que quem cuidava da minha divulgação (às vezes, excessiva, reconheço) era sempre um estagiário mais inexperiente, ou o copidesque mais criativo.
Outra falta de consideração recente e frequente é o "qualquer coisa me liga". A não ser que o Qualquer Coisa vá te ligar, eu devia estar ali, ó, depois da coisa, ajudando a fazer a ligação. Portanto, pense em mim na próxima vez em que for começar um e-mail. Principalmente, se for para o seu chefe ou aquele cliente importante.
Só nunca escreva "prezado, leitor", porque, se ele for prezado mesmo, não merece ser separado do adjetivo por mim. Nem por qualquer outro sinal de pontuação.
Cordialmente,
Vírgula
PS: Minhas tias aspas, idosas, sofrem de um fenômeno no sentido inverso do que ocorre comigo, e pedem para mandar um recado. Ei-las: "não aguentamos mais essa superexposição. A toda hora vemos nossas imagens sendo usadas gratuitamente e sem autorização, em cartazes pelas ruas, nos lugares mais vulgares, como portas de elevador".
Tias aspas em caso de uso indevido da imagem delas |
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Ahahahahahaaha! Muito bom! Excelente texto!
ResponderExcluirImagino o quão constrangedor seja para você, prezada Vírgula, ser colocada entre sujeito e verbo... Sinto arrepios de vergonha alheia quando leio textos assim.
ResponderExcluirprezada vírgula, agora, não trema em cima da linguiça.
ResponderExcluirou ainda:
prezado, vírgula não foi feita para humilhar ninguém.
Muito bacana o texto.
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